e este poema de José Luís Peixoto:
o meu irmão chegou a casa. nem eu, nem a minha mãe
perguntámos de onde vinha. o meu irmão trazia a vara
com que feriu o rio, trazia amor e pó nos bolsos vazios.
o meu irmão esqueceu a guerra quando lavou as mãos.
puro, ergueu as mãos ao céu, nem eu, nem a minha mãe
quisemos acreditar na noite. ficámos tristes pela noite.
o meu irmão esqueceu a guerra quando lavou as mãos
com sangue. senti pena do meu irmão porque estava na
margem do rio onde o vi nascer. o meu irmão chegou a casa.
o meu irmão estava cansado. carregava uma muitidão na
sua sombra. homens e crianças pediam água. o meu irmão
chegou a casa e sentou-se numa pedra que está no quintal.
o meu irmão segurou um livro velho e não conseguiu ler
nenhuma das suas páginas. pesava-lhe a memória de tudo
o que tinha esquecido. cansado, ergueu as mãos ao céu.
o meu irmão deixou que uma sombra pousasse sobre o
seu rosto. o sul e o deserto cresciam sem o sossego, sem
a paz. o meu irmão quis esconder um segredo pela noite.
o meu irmão chegou a casa. eu e a minha mãe queríamos
ajudá-lo, mas era impossível, porque uma nuvem de raiva e
de medo cobriu o dia e um fogo imenso brilhou ali pela noite.
José Luís Peixoto, inéditos, 2006