Finais dos anos 70.
Visita a uma barragem meio esvaziada
pedra grande por cima da aldeia submersa
de Vilarinho das Furnas.
Finais dos anos 70.
Visita a uma barragem meio esvaziada
pedra grande por cima da aldeia submersa
de Vilarinho das Furnas.
O art. 64º da Constituição considera a Saúde como um direito fundamental, verdadeiro direito de personalidade, inerente à dignidade humana. Daí decorre a obrigação do Estado de garantir, sem prejuízo do papel complementar do sector privado, e exercício efectivo desse direito. Segundo essa filosofia humanista, o SNS deve ser universal, geral e tendencialmente gratuito. Só a gratuitidade garante a igualdade de acesso. A igualdade é um valor ético-político, ligado à liberdade. Só há liberdade entre iguais. A única diferenciação que o Estado Social deve fazer é no Sistema Fiscal, onde cada um paga conforme o seu rendimento, e nunca no acesso aos cuidados de saúde. O SNS realiza assim uma cadeia de solidariedade, segundo a qual os que podem pagam para os que precisam. Haverá ideia mais nobre e generosa? A saúde tem de ser um direito de todos e não um privilégio de quem a pode pagar.
(António Arnaut «pai» do SNS ao Jornal de Letras nº 1016)
Nos finais do ano passado o meu tio, Manuel Miranda Ramos Lopes, Professor Catedrático Jubilado da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, faleceu repentinamente. Não vou falar aqui da questão emocional do evento mas sim de uns “escritos “ que ele enviara por correio ao seu irmão, meu pai, dias antes do seu falecimento. Num desses textos ele conta alguns picarescos episódios passados com o Mestre Elísio de Moura (http://pt.wikipedia.org/wiki/Elísio_de_Moura" de quem foi aluno.
O assunto despertou-me a atenção porque, ainda petiz, conheci Elísio de Moura. Avenida Sá da Bandeira acima, seguia agarrado às mãos dos meus pais quando se aproxima Elísio de Moura. Reparando que eu me começava a colocar de lado e a olhar de esguelha, o meu pai, depois de cumprimentar o Professor, chamou-me a atenção. Pois…de riso estava Elísio de Moura. Reputado neuropsiquiatra, quando estava na presença de uma criança procurava espicaça-la, obriga-la a reagir, e eu já tinha passado pela experiência, daí a minha reacção.
Vamos então aos episódios:
1.
«Em viagens pelo norte sucedia, algumas vezes, passar em Amarante. E era seu costume parar numa conhecida casa – “Zé da Calçada” – onde o serviço de mesa era assegurado por duas simpáticas e gentis moçoilas, sempre presentes.
Ora aconteceu que, numa dessas viagens, o Professor notou que uma delas (a Josefa, chamemos-lhe assim) não estava nesse dia, nem estava noutra sua passagem tempos depois. O que levou o Mestre a perguntar à sua companheira:
“- Olha lá, a Josefa? Não tem estado…”
A colega ficou triste e silenciosa, o que levou Elísio de Moura a continuar:
“- Está doente? Deixou a casa? Morreu? O que se passa?”
E aí a companheira, extremamente triste, respondeu:
“- Não, Senhor Doutor. Emputeceu…”
O Professor compreendeu…E, apesar de os Dicionários da Língua não registarem o verbo (mesmo o HOUAiSS, nesta acepção), nós também compreendemos. Pois não é o povo quem faz a língua?»
2.
«Certo candidato que tendo apresentado uma dissertação de doutoramento sobre “punção lombar” a intitulou de “Raquicentese”, neologismo que desagradou a Elísio de Moura que aí o combateu activamente com argumentos que o candidato não foi capaz de rebater. Pelo que – abrindo uma pasta – dela tirou um livro que exibiu triunfalmente dizendo:
“ – Tenho aqui uma dissertação francesa sobre o mesmo tema e que tem exactamente o mesmo título que eu dei à minha e V. Exa. está aqui a combater Raquicentese.”
Ao que Elísio de Moura imediatamente contrapôs, a terminar:
“- E isso que prova? ...Prova tão somente que o senhor nem na asneira foi original…”
Isto é lindo!
LA ERA ESTÁ PARIENDO UN CORAZÓN
Le he preguntado a mi sombra
a ver como ando para reírme,
mientras el llanto, con voz de templo,
rompe en la sala
regando el tiempo.
Mi sombra dice que reírse
es ver los llantos como mi llanto,
y me he callado, desesperado
y escucho entonces:
la tierra llora.
La era está pariendo un corazón,
no puede más, se muere de dolor
y hay que acudir corriendo
pues se cae el porvenir.
En cualquier selva del mundo,
en cualquier calle.
Debo dejar la casa y el sillón,
la madre vive hasta que muere el sol,
y hay que quemar el cielo si es preciso
por vivir.
Por cualquier hombre del mundo,
por cualquier casa.LA ERA ESTÁ PARIENDO UN CORAZÓN - Silvio Rodríguez
ONLY ANGELS HAVE WINGS - Howard Hawks
"Há as personagens que não gostam de falar, têm ouvido apuradíssimo e se dão mal com a luz (quase toda as personagens masculinas). Há as personagens que querem contar tudo e que se lhes diga tudo, interpretam mal os sons e de noite vêem tudo pardo (quase todas as personagens femininas). A guerra dos sexos está declarada e é tão simples ou complexa como tudo isto.
...
Alguém traz os objectos retirados do corpo de Joe. Geoff mostra-os a Bonnie (só então começam os grandes, grandes planos) e diz-lhe que, se ela quiser, pode ficar com um souvenir. Bonnie olha com atenção e escolhe um bonito anel. «Você tem bons olhos», diz, mordaz, Geoff. Ela (grande plano) olha-o severamente e em silêncio. Volta-lhe as costas e dá o anel à nativa que fora namorada de Joe e que, a um canto, foi a única que, durante essa longa sequência, sempre chorou baixinho, sem dizer nada. Grande plano de Geoff, assombrado. Quem não tivera bons olhos fora ele. E quando Bonnie, depois de todos se terem ido embora, volta para o pé dele, pergunta-lhe que mulher lhe fez tão mal que o tornou assim. Geoff não responde e pede-lhe um fósforo. Bonnie, que já reparou que ele é homem que nunca tem lume, observa-lho. E ele responde que não gosta de ter coisas que se gastem. «Fósforos, modelos, dinheiro». «Mulheres?», devolve-lhe Bonnie."
in
OS FILMES DA MINHA VIDA (2º VOLUME) - JOÃO BÉNARD DA COSTA
Não há como o Jornal de Letras para me dar a conhecer uma poetisa extremamente interessante, Bénédicte Houart, uma nova voz que vale a pena ler.
«para poético preferi putas
esquinando as ruas
alvoraçando as noites
abanando o rabo na
praça pública
constipando-se
ensopando lenços
guardando intactos
sonhos bem precisos
não de regeneração, mas
sim de exultação»
«pus-me a escrever um poema
fosse tal e qual uma pedra e
acertasse sempre no que
eu bem quisesse
se parti alguma coisa, pois
não faço ideia
o que garanto é que
não fui multada
até recebi direitos de autor
ainda que injustamente
a pedra era obviamente um plágio
quanto ao poema, quem sabe»
«liga-me à sua maneira, diz do marido
uma mulher cheia de nódoas negras
ainda ontem me ofereceu
um ramo de margaridas
foi depois desta
e levanta a blusa e aponta
para uma negra na barriga
e antes desta, mostra outra
um ramo de violetas
bem cheirosas, ainda não murcharam
vai variando nas flores para
ver se me mantém entretida
que quer que quer é a vida...»
«ó boa ó amor ó querida
ah se eu não fosse pedreiro, mas
senhor arquitecto
construía uma catedral no teu coração e
tornava-me sino nos teus ouvidos
sepultava em vida o teu corpo
para que ninguém mais
ah pedreiro sou e minhas mãos
aprenderam das pedras a resignação»
A MULHER QUE CRIOU A TERRA (Mito da Criação)
Da tradição Iroquesa, América no Norte
No início não existia terra para se viver, mas lá em cima, no grande azul, habitava uma mulher sonhadora. Uma noite sonhou com uma árvore coberta de rebentos brancos, que iluminava o céu quando as suas flores se abriam, mas que trazia uma terrível escuridão quando elas se voltavam a fechar. O sonho assustou-a, de modo que foi ter com os sábios homens velhos que viviam com ela, na sua aldeia do céu, e contou-lhes.
«Puxem esta árvore mais para cima», implorou-lhes, mas eles não entendiam. Tudo o que faziam era escavar à volta das raízes, tentando arranjar espaço para mais luz. Então a árvore caiu no buraco que eles fizeram e desapareceu. Depois disso, deixou de haver luz, apenas escuridão.
Os homens velhos começaram a ter medo das mulheres e dos seus sonhos. Era dela a culpa da luz se ter ido para sempre.
Então puxaram-na até ao buraco e empurraram-na. Sentiu-se a cair, para o fundo, em direcção ao grande vazio. Debaixo dela não existia nada para além de uma terrível quantidade de água. Esta estranha mulher sonhadora do grande azul, certamente teria ficado desfeita em mil bocados, não fosse um peixe-águia que veio em seu socorro. As suas penas formaram uma almofada que permitiu à mulher uma aterragem suave por cima das ondas.
Entretanto, o peixe-águia não conseguia sozinho mantê-la. Ele precisava de ajuda. Chamou pelas criaturas das profundidades. «Temos de encontrar alguma coisa sólida onde esta mulher possa descansar», disse ansiosamente. Só que não existia nenhum pedaço sólido, apenas as águas tormentosas e sem fim.
Um mergulhão desceu na água, para baixo, até ao fundo do mar e trouxe de lá um pouco de lama no seu bico. Encontrou uma tartaruga, espalhou a lama no seu casco e mergulhou outra vês para trazer mais lama.
Então os patos juntaram-se-lhe. Eles gostavam de se sujar com lama e portanto ajudaram a trazer mais alguma nos seus bicos, espalhando-a por cima da tartaruga. Ao castores também ajudaram – eles eram grandes construtores – e trabalharam muito, tornando a carapaça da tartaruga cada vez maior.
Agora toda a gente estava muito ocupada e entusiasmada. Este mundo que eles estavam a construir começava a ficar enorme! Os pássaros e os animais apressavam-se, construindo países, continentes, até que por fim tinham construído toda a terra. Durante todo esse tempo, a mulher do céu esteve sempre calmamente sentada nas costas da tartaruga.
Ela ainda aguenta a terra até hoje.
tradução de Vasco David,
in ROSA DO MUNDO, 2001 POEMAS PARA O FUTURO
(Porto 2001/Capital Europeia da Cultura)