Abacaxi globalizado
No sábado, vi abacaxis da Costa Rica à venda por 99 cêntimos cada um. Costumam ser mais caros: 1 euro ou 1 euro e picos. Pergunto sempre como é possível. Nunca sabem. A melhor explicação que me deram foi: “Coitados – lá na Costa Rica devem ser uns desgraçadinhos”.
Até ao fim do século XIX, os abacaxis eram tão caros que eram alugados, transitando intactos de festa em festa, só para impressionar. Agora custam 1 euro. Ora, aquele abacaxi teve que ser plantado nalguma parte da Costa Rica; cuidado; apanhado; armazenado e levado para a doca onde foi transportado para Portugal. (Nem falemos do preço ecológico do transporte dos campos da Costa Rica para Portugal). Em Portugal, teve de ser desalfandegado e encaminhado para o grossista, que depois o vende ao comerciante, que, finalmente, o leva para a frutaria ou supermercado, onde o compramos.
Neste processo todo, há várias fatias de abacaxi a pagar às várias pessoas envolvidas: cada intermediário, incluindo o Estado português, tira o seu bocado, mais uma margenzinha de lucro.
A única coisa que sabemos é que 99 cêntimos cobre isso tudo, incluindo a margem de lucro do vendedor final. Pergunto eu: desses 99 cêntimos, quanto terá recebido o produtor daquele abacaxi? E dessa quantia necessariamente infinitesimal, qual é a fracção que receberam os trabalhadores que o plantaram, criaram e apanharam?
Há preços tão misteriosos que custa muito a pagá-los. Um abacaxi por 99 cêntimos é um preço alto de mais.
(Miguel Esteves Cardoso in Público de 13 de Janeiro de 2009)