Exame da oral de português no final do primeiro ciclo dos liceus, antes do 25 de Abril:
"Havia um júri de três professores, eu sentado numa carteira em frente, como num julgamento em tribunal, atrás de mim uma sala quase vazia, com a minha mãe ao fundo, a assistir, entre entusiasmada e nervosa, e, de repente, eu: «Gosto de ler, sim, sotôra. Adorei o último livro que li. Era do Jorge Amado e chamava-se Capitães da Areia».
A senhora começou a ficar muito branca, os seus pares de júri entreolharam-se, fez-se um silêncio pesado na sala, eu não percebia porquê, o livro era mesmo muito bom, tinha vontade de lhe falar do Pedro Bala, do seu amor por Dora, das prostitutas que o janota do Gato namoriscava, mas talvez fosse melhor não.
A professora recompôs-se. Inclinou-se ligeiramente para a frente e disse-me baixinho: «Muito bem, vamos lá dividir as orações deste texto…»
À noite, o meu pai, orgulhoso de mim, explicou-me que o livro tinha venda proibida em Portugal."
Vítor Serpa, Jornal de Letras